“O meu ônibus saiu de de Santa Maria (RS), na sexta-feira (06/01), e nós chegamos em Brasília no domingo (08/01) à noite. As depredações e os atos de vandalismo ocorreram na tarde de domingo, por volta das 19h. Eu apenas armei minha barraca, jantei e fui dormir. E amanheci sequestrada e presa. Fiquei quatro meses presa em regime fechado, na Colmeia. Aquele lugar não é feito para pessoas de bem. É feito para bandidos, assassinos, estupradores. Não para mães de família, pais de família, trabalhadores honestos, que nunca tiveram problemas com a justiça. Lá dentro, comíamos comida estragada. Sofremos tortura física. Ficamos doentes, sem atendimento médico adequado. Os meus filhos ficaram sozinhos, morando com o avô paterno, que teve que se mudar para minha casa e cuidar deles. Eu não estava lá, eu não estava em Brasília no momento, fui presa e condenada a 4 anos.”
O relato foi dado por Tatiane Marques durante Audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, proposta pelo deputado estadual Felipe Camozzato (NOVO-RS), que tratou sobre as vítimas gaúchas do 8 de janeiro. Essa foi a primeira vez que o assunto foi tema de audiência no Parlamento gaúcho. Para Camozzato, relatos como o de Tatiane comprovam que há erros graves no processo do 8 de janeiro e ”dar voz a essas ilegalidades que mostram que grande parte desse processo é uma farsa é papel da Comissão de Direitos Humanos, explica o deputado.
De acordo com a advogada da Associação dos Familiares e Vítimas do 08 de janeiro (ASFAV), Carolina Siebra, foram mapeados 102 gaúchos envolvidos no processo de 8 de janeiro:
“É importante dizer que esses processos estão muito distantes dos princípios dos direitos humanos desde o início. Começa pelo fato de que o foro onde essas pessoas estão sendo julgadas não é o competente. Elas não deveriam estar sendo julgadas pelo STF, pois não têm foro por prerrogativa de função.O que nós pedimos, desde o dia 8 de janeiro, é apenas uma coisa: justiça. Nada além disso.
Quem cometeu algo que seja punido na medida da lei. Quem não cometeu, que seja absolvido. Que ninguém fique dois anos e meio preso sem julgamento justo, sem provas claras, sem condições humanas mínimas”, defende Carolina Siebra.
Para o deputado federal Marcel van Hattem (NOVO-RS), os depoimentos da audiência desta segunda-feira (14) são importantes para “expor o nível de maldade e crueldade que está sedo cometido contra seres humanos que merecem direitos como qualquer cidadão. Lamentavelmente, no Brasil, os direitos humanos estão sendo seletivos: aplicados conforme a ideologia ou opinião política de cada um, e não com base nos atos cometidos”.
O presidente da OAB/RS, Leonardo Lamachia, destacou a importância de audiências como esta para se discutir as graves situações que estão ocorrendo no país: “Causa imensa preocupação vermos, por parte da Suprema Corte do país, em algumas decisões, desrespeito ao devido processo legal e às prerrogativas da advocacia”.
Já o desembargador aposentado Sebastião Coelho considera um escândalo a falta de individualização das condutas. “Quando não há individualização, não há possibilidade de uma defesa adequada, porque o réu sequer sabe do que está sendo acusado”, afirma o desembargador.
A audiência contou ainda com os depoimentos de Carmen de Rossi, esposa de Robergson Rossi – que segue preso preventivamente; Zenira Englert, mãe de Eduardo Englert – que está com tornozeleira eletrônica; Ressoli de Melo condenado no processo de 8 de janeiro, Leonir Streppel Segala, mãe do preso Everton Segala, e Evelyn Reinick, esposa de Ricardo Pedro Ramos – preso no 8 de janeiro.
A íntegra da audiência pode ser conferida em https://www.youtube.com/watch?v=vKJXuC4xdQs.